sexta-feira, 22 de junho de 2012

Para os que acusam a Alemanha de não ceder


Até onde a Europa já cedeu para salvar o euro?


O preço dos resgates
Era uma das intransigências da Alemanha, da Holanda e da Finlândia: quando, em Maio de 2010, a zona euro criou um mecanismo temporário de socorro do euro (o Fundo Europeu de Estabilização Financeira - FEEF), ficou estabelecido um “castigo” para a Grécia “resgatada”.

Pouco mais de um ano depois, a renegociação do programa de assistência permitiu terminar com esse “castigo”, o que na prática significou uma suavização das condições dos juros pagos pelo empréstimo. E abriu caminho a que Portugal e a Irlanda beneficiassem com isso.

Sobre os juros pagos pelos parceiros europeus quando vão levantar fundos ao mercado para emprestar à Grécia, o país estava inicialmente obrigado a pagar uma penalização de três pontos percentuais acima dessas taxas. Uma forma de não deixar que o país – considerado indisciplinado pela Alemanha, a Holanda ou a Finlândia – saísse beneficiado.

A cedência, sobretudo a inversão da posição da Alemanha, permitiu que a Grécia, a Irlanda e Portugal pudessem passar a reembolsar os empréstimos pagando a mesma taxa de mercado dos países com a melhor notação financeira.

As barreiras de protecção
Depressa a Europa viu que o FEEF não chegava. Em Janeiro, chegou-se finalmente a acordo sobre os termos do mecanismo permanente de resgate – o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF).

Depois de terem repetido incessantemente que a crise estava contida aos países periféricos do euro, como a Grécia e Portugal, os líderes europeus aperceberam-se que o risco de contágio era considerável e que seria necessário criar um “muro de protecção” maior.

Em Janeiro, chegou-se finalmente a acordo sobre os termos do mecanismo permanente de resgate – o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF). Mas a Alemanha continuava a opor-se a que este mecanismo e o FEEF funcionassem em simultâneo.

Depois de uma forte pressão, não só dos Governos europeus, mas também do FMI e dos países ricos e emergentes do G20, Angela Merkel deu o “sim” no final de Março. Juntos, o FEEF e o MEEF (que entra em funcionamento no próximo mês) têm um “poder de fogo” de 750 mil milhões de euros.

O perdão da dívida
Se os líderes europeus começaram por dizer que não dariam mais dinheiro à Grécia se esta não cumprisse as metas, a realidade encarregou-se de mudar o discurso.

Mesmo depois de falhar sucessivamente as metas orçamentais, e com a economia afundada na recessão, a Grécia conseguiu em acordar um segundo resgate, no valor de 130 mil milhões de euros.

A maior cedência foi, porém, outra: a aceitação de uma reestruturação da dívida, uma solução que dividiu os líderes europeus e que contou com a oposição cerrada do Banco Central Europeu (BCE). Aqui, foi a Alemanha a abrir caminho.

Logo em Abril de 2011, o ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros alemão, Werner Hoyer, tornou-se um dos primeiros responsáveis europeus a afirmar publicamente que um perdão à dívida grega “não seria uma catástrofe”. Agora, já depois da reestruturação da dívida e com o segundo resgate em curso, o novo Governo grego deverá pedir mais um ajustamento do programa, que pode passar por um alargamento dos prazos das metas orçamentais. E tudo aponta para que a zona euro, e a Alemanha, cedam uma vez mais.

O papel do BCE
Foi criado à imagem e semelhança do banco central alemão (o Bundesbank) com um único mandato: assegurar a estabilidade de preços na zona euro. Mas, desde que começou a crise financeira internacional e a crise da dívida europeia, o BCE viu-se obrigado a fazer excepções atrás de excepções à sua linha de actuação tradicional.

Apesar da forte oposição na Alemanha, o BCE tomou várias medidas extraordinárias, como a compra de dívida dos países periféricos no mercado secundário e os empréstimos ilimitados aos bancos a taxas de juro muito baixas. A imprensa alemã chegou a apelidá-lo de o “bad bank” da Europa, onde foram parar activos “tóxicos” (dívida pública dos periféricos) e onde se aceitam como garantias (colaterais) títulos com rating “lixo”.

A oposição à actuação do BCE levou mesmo a que figuras alemãs influentes abandonassem a instituição, como Axel Weber e Jürgen Stark. No entanto, apesar de o BCE ter ido além do seu mandato, continua sem responder aos anseios de quem defende que deveria tornar-se um credor de último recurso dos Estados.

As euro-obrigações
Apesar de a emissão conjunta de títulos de dívida dos países do euro (euro-obrigações) ser apoiada por vários países europeus, como a França e a Itália, tem sido descartada pela Alemanha, que entende que essa emissão seria uma “mutualização da dívida”. Ou seja, não só traria o risco moral (podendo desincentivar os países endividados nos seus esforços de reforma), como é inconstitucional à luz da lei alemã.

Mesmo assim, a posição germânica sobre este tema tem vindo a suavizar-se. Angela Merkel admite que as eurobonds possam ser possíveis no final de um processo de integração política e orçamental da zona euro. E mostra também alguma abertura quanto aos project-bonds, uma proposta da Comissão Europeia que foi recentemente repescada pelo novo presidente francês François Hollande: a emissão de títulos de dívida europeus para financiar projectos de investimento, nomeadamente em infra-estruturas de transportes e energia.

A via do crescimento
Quando o fim da austeridade como “fatalidade” ganhava força na campanha eleitoral de François Hollande à Presidência francesa, Merkel advertia que os países não se podiam desviar do esforço da consolidação orçamental. Uma posição que mantém, embora as preocupações com o crescimento tenham entrado no seu discurso.

Em Janeiro, sinaliza ser preciso acompanhar as políticas de controlo das contas públicas com a promoção do crescimento e do emprego. Mas, para a Alemanha, as reformas estruturais continuam a ser o caminho mais seguro para os países crescerem.

O tema do crescimento serve, aliás, como pano de fundo à primeira cimeira europeia em Bruxelas de 2012 (Janeiro), que os líderes se encarregaram de não apresentar como mais uma de última oportunidade.

A generalidade dos responsáveis (presidente do BCE, Mario Draghi, incluído) dava a entender que a zona euro estava a saber responder à crise e a acalmar os mercados financeiros.

O regresso em força das tensões sobre Itália e Espanha veio, contudo, criar mais incertezas para a terceira e a quarta maiores economias do euro. E colar o discurso do primeiro-ministro italiano, Mario Monti, ao do novo Presidente francês. Monti já veio defender, em nome da “voz respeitada” da Itália na Europa, que as políticas económicas devem estar “mais orientadas para o crescimento”.

As divergências que separam Merkel e Hollande sobre a forma de relançar o crescimento ficaram cravadas no primeiro encontro diplomático entre os dois, em Berlim, no dia em que Hollande toma posse (15 de Maio). O Presidente francês quer que o crescimento passe de um “termo vago” e seja “traduzido em actos tangíveis e transpostos para a realidade”. Merkel relativizava: “O crescimento é antes de mais um termo geral”.

Hollande centrara a questão do crescimento durante a campanha eleitoral. Ao propor a renegociação do tratado orçamental, sugere a adopção de políticas de promoção do crescimento, às quais Merkel responde dizendo que já são o segundo pilar das políticas europeias, a par com as “finanças públicas sólidas”.

E deixa claro em Abril que o pacto assinado por 25 países da União e, nessa altura já ratificado por Portugal e a Grécia, é irrenegociável.

Algumas das ideias lançadas por Hollande coincidem com o que Durão Barroso já apresentara em nome da Comissão Europeia. Defende, nomeadamente, a criação de obrigações europeias e sugere que o Banco Europeu de Investimentos (BEI) reforce a sua capacidade de empréstimo aos países e que os fundos estruturais comunitários sejam canalizados para projectos de investimento. Do lado alemão, tem havido abertura às propostas francesas e de Bruxelas, como o reforço do BEI.

Espanha, resgate ou ajuda à banca?
Os riscos de contágio da crise das dívidas a duas economias com uma dimensão difícil de gerir – Espanha e Itália – materializaram-se em particular a partir do Verão de 2011. Ao período de aparente acalmia que se seguiu no final do ano passado e nos primeiros meses deste ano, a agitação dos mercados e as dúvidas sobre a saúde financeira dos bancos espanhóis levaram a zona euro a actuar, pressionando Espanha a pedir apoio financeiro para o sector financeiro.

Em Madrid ou em Bruxelas, evita-se a palavra “resgate” e joga-se com os detalhes formais para negar que um pedido de assistência (para a banca) está em cima da mesa.

Em Abril, o Presidente do Governo, Mariano Rajoy, pede prudência no diagnóstico feito à economia espanhol. E afasta um resgate.

“Não sei dizer-vos quando é que as autoridades espanholas nos vão pedir ajuda”, afirmava já em Junho Amadeu Altafaj, porta-voz da Comissão Europeia para os Assuntos Económicos e Financeiros, dois dias antes de o eurogrupo disponibilizar até cem mil milhões de euros para as necessidades de capital dos bancos de Espanha.

Sob máxima pressão da zona euro, e apenas três dias antes de o seu Governo admitir que precisa de um apoio para a banca, Rajoy escreve ao presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do Conselho, Herman Van Rompuy. Considera ser preciso “actuar de forma decidida”, a nível nacional e europeu, mas nada diz sobre um eventual resgate”.

O anúncio do pedido acontece a 9 de Junho. Nesse mesmo dia, era a vez de o ministro da Indústria, José Manuel Soria, afirmar: “Não está previsto, em nenhum momento, por parte do Governo de Espanha, pedir qualquer tipo de ajuda”. Luis de Guindos, ministro da Economia, dá a cara nesse sábado: “O Governo espanhol declara a intenção de solicitar ajuda europeia para refinanciar o sistema financeiro espanhol”.

Um dia depois, fala Rajoy. Defende que o pedido não se trata de um resgate financeiro como aconteceu no caso da Grécia, da Irlanda ou de Portugal. “Se não tivéssemos feito o que fizemos nestes cinco meses para ganhar a credibilidade dos parceiros, o que teria acontecido ontem teria sido uma intervenção no Reino de Espanha”. No Parlamento de Madrid, dias mais tarde, volta a evitar a palavra “resgate” e atira responsabilidades à anterior governação, defendendo que o país deveria ter actuado há três anos.

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