sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Centralismo aglutinador


Por Daniel Deusdado,

1. Recordemo-nos do famoso "aeroporto da Ota". Apesar de estar planeado para um vale rodeado por uma serra... apesar dos nevoeiros intensos... apesar de estar em leito de cheia do Tejo... era um local magnífico para se fazer um aeroporto - diziam estudos.

Em função destes estudos definiu-se toda uma rede viária de autoestradas no Carregado. Foi também em função da Ota que se quadruplicou a linha ferroviária do Norte até à Azambuja. 

Foi bom para a mobilidade de quem vive ali, mas não serve para transportar passageiros da Ota para Lisboa... Está feito, pago e ainda por cima ocupou-se o canal ferroviário que supostamente um dia modernizaria a Linha do Norte com a bitola europeia...

Estes estudos estão-nos a sair caro. Repare-se: Norte e Centro exportam 13 mil camiões por semana para a Europa. Mas onde vai ser feita a linha ferroviária de bitola europeia para transportar contentores? A sul (pelo Alentejo), tendo por base "estudos" que garantem Sines como porta de entrada de contentores transatlânticos vindos da China para descarregar em Portugal rumo à Europa... Não é impossível que aconteça, mas a realidade, hoje, das exportações portuguesas, fica preterida por um sonho.

Mais: o número de passageiros entre Lisboa-Madrid (avião e automóvel), é claramente inferior ao dos passageiros Lisboa-Porto (automóvel e Alfa). As mercadorias e passageiros da Linha do Norte são hoje o principal corredor ferroviário do país. Qual a opção? Lisboa-Madrid.

2. Os mesmos "estudos" vão explicar-nos agora que o melhor é privatizar a ANA com todos os aeroportos nacionais lá metidos. Não há concorrência entre eles, mas não interessa. E mais importante: vai fazer-se esta privatização sem o Estado definir se o atual aeroporto de Lisboa chega e por quantos anos.

Mas indo então à questão mais substantiva - a operacional. A Portela chega para as encomendas? Escrevo o que leio desde há anos, dito por muitos especialistas aeronáuticos: sim. Construir mais mangas e portas de acesso é possível desocupando a zona reservada aos militares. O novo Terminal 2 pode servir bem as low-cost. Agora até tem metro, novíssimo. E mais: há quem defenda que, com algumas (poucas) expropriações do lado norte, era possível construir uma segunda pista.

No entanto, ao ritmo a que as coisas estão, o cenário é contrário: a Portela é altamente cobiçada para fins imobiliários e construir um novo aeroporto em Alcochete representa empréstimos financeiros de centenas de milhões de euros. Portanto, é claríssimo que os lóbis do costume (da banca às construtoras, passando pelas Goldman Sachs deste mundo) vão fazer toda a força para se avançar com um novo aeroporto. Claro... o consórcio que comprar a ANA é que faz a obra e a paga, não é o Governo... não são os cidadãos... Entretanto o PS cala-se porque a Câmara de Lisboa recebe muitos milhões e os financiadores do PSD abeiram-se da mesa do negócio para dividir a obra entre si.

Depois o Governo 'só' terá de fazer coisas insignificantes como acessos ferroviários, novas vias que desemboquem na ponte (da Lusoponte) que serve o aeroporto e outros milhões de pequenas coisas que infraestruturem a obra... Talvez o Estado fique também como fiador da obra - e se não o for diretamente, fica de forma indireta, porque obras como estas não ficam a meio. O resto do país - Porto, Faro, Madeira e Açores - será subjugado à compressão de custos e oferta para justificar o novo investimento de Alcochete, feito por um privado - é o mercado a funcionar, ninguém tem culpa...

A privatização da ANA não é um negócio aéreo, é uma oportunidade financeira e imobiliária. Estamos perante um assalto, combinado entre almoços e jantares do chamado "poder económico". E o mesmo se passa na teoria da "gestão centralizada" dos portos que o Ministério da Economia prepara, através de uma arrogância insultuosa do secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro. Se a AEP, a Associação Comercial do Porto, Rui Rio e Menezes não impedirem tudo isto, em bloco, então estamos mesmo condenados a ver os aviões, comboios, barcos e muitos milhões a passar. Por muitos anos. E sabemos quem o permitiu.

artigo publicado aqui


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