segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MURRAY ROTHBARD - A CRISE DE 1929


Capítulo VI - MURRAY ROTHBARD -  A CRISE DE 1929 




A CRISE DE 1929


"Por mais paradoxal que possa parecer, o ponto de partida para crises e depressões pode ser encontrado na abundância ao invés da escassez, seja de dinheiro ou capital." - Theodore E. Burton

Quando se fala da Grande Depressão de 1929, automaticamente se culpa o livre mercado. As consequências de tal conclusão precipitada foram extremamente maléficas para a humanidade.  As políticas interventoras do estado, especialmente as defendidas por Keynes, passariam a ser vistas como necessidade vital para a economia.  Os resultados foram insatisfatórios em todos os lugares.  Não foi o mercado que falhou em 1929, mas sim o estado hiperativo. 

Para demonstrar essa tese, precisa-se de certo conhecimento de Economia.  Como foge ao nosso escopo o aprofundamento das teorias, vamos passar apenas pelos pontos mais importantes e manter certa superficialidade.  Para os que tiverem maior interesse nos detalhes teóricos, sugiro a leitura completa do excelente livro America's Great Depression, de Murray Rothbard.

Um dos pilares da teoria econômica austríaca sustenta que a inflação costuma ser causada pelo aumento da oferta de moeda e crédito.  Desta forma, fica mais evidente compreender porque uma política expansionista de moeda não consegue apresentar bons resultados em médio prazo, já que o aumento das expectativas inflacionárias levará a um aumento dos juros, não redução.  Inúmeras evidências empíricas corroboram o raciocínio, principalmente nos mercados emergentes em que os governos sempre utilizaram políticas expansionistas de moeda para estimular a economia e alcançaram as maiores taxas de juros do mundo.

A inflação não é a única consequência indesejável do aumento de oferta de moeda e crédito por parte do governo. Esta expansão costuma distorcer a estrutura de investimento e produção, causando excessivo investimento em projetos ruins na indústria de bens de capital.  Somente a recessão pode corrigir este processo ao liquidar tais investimentos realizados durante o boom.  A existência de um banco central interventor impede o ajuste natural, o que alimenta ainda mais novos investimentos indesejáveis pela política monetária expansionista.  Isso acaba adiando o problema, mas também agrava a situação.  O Federal Reserve, nos Estados Unidos, só foi criado em 1913; antes de 1929, todas as recessões tinham vida mais curta.  E vale lembrar que a economia americana cresceu mais no século XIX, sem a existência de um banco central, do que no século passado.

Através da teoria geral austríaca, podemos entender melhor o porquê dos ciclos econômicos.  Choques de oferta ou demanda, mudanças no padrão de comportamento, novas descobertas, tudo isso gera ajustes de preços relativos no mercado.  Alguns setores aumentam suas vendas e outros perdem mercado devido aos recursos escassos na economia, já que a poupança é finita.  Entretanto, para falarmos de um aumento generalizado de preços, temos que ter mudanças na demanda ou oferta de moeda.  Logo, mudanças de preços generalizados são determinadas por mudanças de oferta ou demanda por dinheiro.  As mudanças na demanda vêm por alterações nas preferências temporais do consumidor, enquanto as mudanças na oferta vêm das políticas do governo e bancos.

Diante do resumo exposto, conclui-se que todo período de expansão seja necessariamente seguido por uma fase de recessão ou ajuste.  Em uma economia verdadeiramente livre de intervenção governamental, o crescimento econômico viria dos ganhos de produtividade, o que permitiria maior poupança e, por conseguinte, novos investimentos.  Alguns exageros de expectativas dos empresários serão pontuais em seus setores e terão um processo de ajuste de curta duração.  Mas para haver um boom generalizado, com todos os empresários errando simultaneamente as estimativas e produzindo em excesso, algum fator exógeno precisa existir - no caso, o governo.  Com suas intervenções, ele altera o cenário macroeconômico e polui o quadro de estimativas das empresas, levando a exageros e investimentos ruins advindos do crédito fácil e barato, que precisam ser seguidos por um duro processo de depressão.  Quanto maior a intervenção, os ajustes naturais do mercado se inviabilizam, e maior será o efeito negativo depois.

Creio ser importante também mencionar o mito de que preços em queda possuem um efeito depressivo nos negócios. Isso não é necessariamente verdade. O que importa para os negócios não é o comportamento geral de preços, mas o diferencial entre preços de venda e custos dos insumos.  Podemos ter um cenário de preços em queda com ganho de margens.  Basta verificar o setor de tecnologia, que é relativamente mais livre de intervenções estatais e, também por esta razão, mais dinâmico.  Os preços apresentam tendência forte de queda, o que não quer dizer que as empresas perdem dinheiro.  Entretanto, como o dogma é tido como irrefutável, muitos governos entram em pânico com a possibilidade de queda de preços e exercem desenfreadas injeções de liquidez na economia para expandir a oferta de moeda e crédito.  A política inflacionária distorce o equilíbrio do mercado e permite sobrevida a investimentos ruins que deveriam ser liquidados.  Os bancos centrais acabam inflacionando demais a economia para "impedir" um inevitável processo de ajuste natural e as consequências são, quase sempre, desastrosas. 

Para tentar "salvar" o país da desejável recessão de ajuste, o governo cria novos problemas e potencializa a crise.  Quando tenta manter os preços artificialmente altos durante esse processo, apenas faz com que mais estoques sejam criados e dificulta o retorno à prosperidade.  Quando os salários mantêm-se estáveis no processo de deflação, reduzem ainda mais as margens das empresas e levam ao aumento do desemprego. Quando os gastos do governo aumentam, a economia é estimulada somente por um pequeno espaço de tempo porque a medida apenas reduz a poupança privada necessária para novos investimentos produtivos e retarda a recuperação sustentável.  Os governos deveriam compreender que a política mais adequada numa fase de depressão é justamente não interferir no processo de ajuste.  Claro que isso não acontece na prática, pois cada governo visa apenas seu curto mandato e acaba interferindo para se livrar da implosão, passando o problema adiante.  Mas o tempo cobra o preço da irresponsabilidade - e quem paga é o povo.

Os recursos são escassos, e tudo exige uma troca.  Para alguma indústria específica experimentar um crescimento no consumo, outras precisam sofrer uma queda no mesmo montante, ceteris paribus.  O aumento generalizado do consumo precisa ser financiado e só pode vir pela queda da poupança e investimento.  Em resumo, as pessoas escolhem entre consumo presente e futuro, bem como podem aumentar o consumo presente somente à custa do futuro, e vice-versa.  O único meio de o investimento crescer junto com o consumo é pela expansão inflacionária de crédito.  Logo, por ser monopólio estatal a emissão de moedas, um crescimento em conjunto de consumo e investimento só pode ser atribuído ao governo, não ao livre mercado.

Acima, descrevemos a teoria austríaca de forma extremamente simplificada.  Compreendendo melhor esses complexos conceitos, fica claro que somente um governo seria capaz de criar as condições necessárias para uma depressão da magnitude da crise de 1929, que jogou o desemprego americano para 25%. Jamais um mercado verdadeiramente livre de intervenções governamentais na macroeconomia iria extrapolar o crédito como ocorreu naquela época.  Tal efeito só foi possível pelas inúmeras intervenções do governo que adotou uma política altamente inflacionária na década de 1920.

Durante todo o período do boom, a oferta de moeda aumentou em US$ 28 bilhões, um incremento de 62% num espaço de oito anos.  Isso representa uma média anual de 7,7% de aumento, um grau respeitável de inflação.  Porém, a reserva de ouro no mesmo período cresceu apenas 15%. Além disso, o governo reduziu as reservas compulsórias dos bancos comerciais e incentivou a migração de depósitos à vista para depósitos a prazo, o que estimulou o crédito.  O Federal Reserve foi o principal responsável pelo aumento das reservas bancárias no período e subsequente aceleração do processo inflacionário.

Outros mecanismos utilizados pelo governo foram o desconto de duplicatas e open market.  O banco central induziu um aumento do crédito pela política de redesconto: ao invés de ter uma taxa de juros punitiva, ela estimulava novos empréstimos por ficar abaixo das taxas de mercado.  Para estender o crédito à agricultura, o Fed foi extremamente frouxo na política de financiamentos.  Mas como o dinheiro não tem carimbo, o excesso de liquidez se espalha por todos os setores, principalmente os de bens de capital e mercado financeiro.  O clima de prosperidade eterna foi agravado pelas declarações de importantes nomes da época, entre eles o próprio presidente Coolidge. 

Além do foco doméstico, a situação da Europa contribuiu bastante para que o governo americano adotasse políticas inflacionárias.  A Alemanha, um dos principais credores dos Estados Unidos na época, estava com pouco capital e arruinada após a Primeira Guerra Mundial.  Os banqueiros americanos, atraídos pelas enormes comissões de empréstimos a governos estrangeiros, enviaram centenas de agentes para prospectar novos credores.  A pressão sobre o governo, tanto dos banqueiros como dos próprios países europeus, acabou por estimular ainda mais o crédito abundante, barato e, inevitavelmente, inflacionário.  O prejuízo foi ainda maior pelo fato de 1924 ser um ano eleitoral, o que incentivou o governo a criar uma sensação de forte crescimento econômico, mesmo que sem sustentação sólida.

Em linhas gerais, deve ficar claro que a responsabilidade pelo período inflacionário que antecedeu e causou a crise de 1929 recai sobre o governo, não no capitalismo de mercado.  O governo dos Estados Unidos plantou as sementes do que foi a Grande Depressão.  Infelizmente, a interpretação foi diferente.  O mundo entrou numa nova fase na qual a intervenção do governo na economia passou a ser ainda mais desejada.  Para um problema criado pelo governo, a solução proposta acabou sendo justamente mais governo.  Estavam plantadas as sementes da estagflação que assolou o país posteriormente.

Os erros do passado devem servir de lições para o presente e o futuro.  Era de se esperar que as pessoas aprendessem os efeitos de uma orgia de crédito fácil que possibilita um período de aparente expansão sustentável e, no final, cobra um elevado preço pelos ajustes necessários. Infelizmente, como Warren Buffett disse, aprendemos com a história que não se aprende muito com ela.  A história não se repete, mas acaba rimando.  Governo algum, em lugar nenhum do mundo, conseguiu alterar as leis econômicas à base de caneta e papel.  Quanto mais o governo tentar artificialmente estimular o crescimento econômico, mais dolorosa será a ressaca inevitável.




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