Por Fernando Sobral,
Os portugueses iludiram-se culturalmente: julgaram que o dinheiro fácil que chegou durante três décadas comprava a solidez da educação e o espírito da invenção e inovação. E do risco. É uma tónica portuguesa: prefere-se a renda ao risco. O resultado está à vista.
Em 1962, António Oliveira Salazar sintetizou de forma clara a visão que tinha do seu Portugal: "Um país, um povo que tiverem a coragem de ser pobres são invencíveis". Este mundo pobre, ou remediado, acabou após a entrada na União Europeia. Em cima da nossa pobreza caíram toneladas de dinheiro. O país ficou sulcado por auto-estradas e rotundas. As mercearias de bairro fecharam e nasceram hipermercados. Os portugueses passaram a preferir ir passear para os centros comerciais do que para os jardins. A democracia de consumo chegou como se fosse um milagre redentor.
Todos acharam que faziam parte da classe média, alimentada pelo crédito fácil. O paraíso tinha também construído na sombra o purgatório, feito de cumplicidades: do BPN à Parque Escolar foi um mundo de oportunidades de "negócio" para muitos. Deixando de ter a coragem de ser remediado o povo português tornou-se uma presa fácil de uma crise que não percebesse.
Destruída a base industrial, agrícola e piscatória do país, com fundos comunitários para abater tudo isso e trazer a "modernidade", Portugal ficou indefeso quando chegou a grande crise de 2008. Já antes era visível mas todos se recusavam a ver: o Estado continuava a ser a mãe de todas as batalhas e de todas as rendas. A própria sociedade civil e iniciativa privada viviam de bem com o Estado, fosse ele guiado pelo PS ou pelo PSD. A mais breve nota de suicídio da história portuguesa foi escrita por José Sócrates, o último da linhagem de destruidores de um país que poderia ser remediado mas inteligente.
Todo se desvaneceu no ar. O crédito fácil foi substituído pela amarga austeridade. António de Oliveira Salazar, em 1963, dizia: "Quero este país pobre, se for necessário, mas independente - e não o quero colonizado pelo capital americano". A colonização é hoje exercida pela Comissão Europeia e pela troika, numa Europa que parece cada vez mais dividida cultural e moralmente, entre um norte protestante e um sul católico. A moral calvinista é uma forma demolidora de salvação (salvamo-nos pelo trabalho), face à forma como se perdoam os pecados, no confessionário, a sul.
Tudo nos divide. A forma como os protestantes criaram o capitalismo moderno enquanto nós víamos as naus carregadas de pimenta e ouro irem directas para Amesterdão e Londres para pagar os nossos prazeres ao sol diz muito do que são formas diferentes de olhar para a civilização.
Mas, ainda assim, os portugueses iludiram-se culturalmente: julgaram que o dinheiro fácil que chegou durante três décadas comprava a solidez da educação e o espírito da invenção e inovação. E do risco. É uma tónica portuguesa: prefere-se a renda ao risco. O regime atolou-se e o BPN representa-o perfeitamente nas suas ligações pouco transparentes a tudo e a todos. Se quisermos estudar este regime estudemos o BPN. Antes e depois da nacionalização. Está lá tudo o que se andou a fazer desde a entrada na União Europeia.
Maquilhou-se a pobreza com um falso riquismo que só encheu os bolsos e a estima de alguns. Que hoje vivem acima dos dramas dos comuns portugueses que só acreditaram no cartão de crédito, na casa acima das suas possibilidades, nas férias nos "resorts" mais aprazíveis, no carro do último modelo e no telemóvel 3G. Esse mundo ruiu para a maioria. Mas na sombra da crise há quem continue a viver de rendas, escudado nos invencíveis contratos com que o Estado prometeu dar tudo sem receber nada. Voltamos assim aos anos de 1960, como se tudo não tivesse passado de uma ilusão. Com uma diferença. Em Agosto de 1968, Oliveira Salazar dizia: "no dia em que eu abandonar o poder, quem voltar os meus bolsos do avesso, só encontrará pó". Hoje, nos bolsos de alguns que nasceram, cresceram e singraram com este regime, só se encontrará ouro.
artigo publicado aqui
Análise certeira do artigo por "José" do blog Porta da Loja,
Ao ler escritos destes ficamos com a impressão que Salazar não era português típico, porque semelhante ao alemão, do norte. Mas era mesmo. O português típico de antanho era desconfiado, poupado, sóbrio ou mesmo asceta; pouco dado a tretas ideológicas ou da sociologia de pacotilha porque tinha a sabedoria acumulada nos provérbios dos antepassados. O português de antanho, como arquétipo possível, era por isso conservador.
O que é que se alterou para que o português médio passasse a ser uma caricatura de si mesmo?
É pegar nuns tantos exemplares avulsos de portugueses da mesma região das berças beirãs ( por exemplo Dias Loureiro, Proença de Carvalho, José Sócrates, Pinto
Monteiro) ou mesmo um Mário Soares, sem região definida, e perceber como se modificaram geneticamente para nos mostrarem onde chegamos como "raça".
É pegar nuns tantos ditados da tal sabedoria antiga ( "um rei fraco torna fraca a gente forte", extraído de versos antigos) e colocar em pano de fundo as fraquezas humanas relacionadas com o carácter, o dinheiro, o poder e o penacho.
Com esses ingredientes e mais uns pós de tretas bem alinhavadas alguns romancistas antigos fizeram obras-primas. Alguns deles ( Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Aquilino, até o Camilo do Eusébio Macário) conheciam bem a matéria-prima e deram-nos retratos frescos do produto acabado.
Vivendi, como fico satisfeito quando vemos jornalistas a chegar à conclusão de que o problema é cultural e religioso
ResponderEliminarDe acordo Tiago.
EliminarA História de Portugal é verdadeiramente interessante, isto porque parece demostrar uma estabilidade e repetição constante. Vejamos; um povo homogeno, relativamente pacífico que sempre aceitou a dominação de uma elite centralista (como nunca a pôs em causa, tendo álias posicionado-se sistematicamente átras dela quando a independência nacional esteve em causa). O poder foi assim sempre total sobre a população. Melhor a população sempre aceitou a dominação das suas elites, provavelemente em parte porque somos no conjunto um povo homogéneo mas também porque os “súbitos” sempre conseguiram obter do poder um certo número de regalias, ou o sistema forá montado de maneira a permitir o “desenrasca” mesmo que esse desenrasca tenha por consequência que uma minoria vive à custa da maioria. A força do poder português foi álias de convencer a maioria que essas minorias tivessem direito a esse tratamento especial, e eu suspeito que isso se deve ao facto de, mais uma vez, sermos um povo homogéneo; havia assim sempre a impressão por parte dos “súbitos” que a divisão é necessária, natural, e que é possível a qualquer um de vir um dia a beneficiar de um tratamento especial, porque fundamentalemente somos “todos iguais”.
ResponderEliminarNo entanto apesar de a dominação do poder central ser absoluta (a defeito de ser aceite por todos) ela não é total. Não é total porque a elite central sempre teve de contar com elites locais, ou corporatistas. Estas elites corporatistas nunca aceitaram a dominação total da elite central, nomeadamente quando ela punha em causa os seus privilégios. No entanto estas elites corporatistas raramente puseram em causa a dominação total da elite central sobre o país inteiro, as únicas vezes aonde essa dominação foi posta em causa foi quando elas se aprecebiam que tinham mais a ganhar com uma dominação centralista vinda do estrangeiro, mas nunca quiseram governar sozinhas o país mesmo as categórias sociais em que estavam bem inseridas. Como se pode ver, essas elites corporatistas tiveram sempre por objectivo de obter rendas por parte da elite central. No entanto sem querer cair na ideia simplista que o país esteve sempre melhor quando a elite central decidiu combater as elites corporatistas (D.Afonso II, D.Diniz, D.João I, D.João II, Marquês de Pombal, D.Pedro III, Marcelo Caetano) e ao contrário que o país esteve sempre mal quando a elite central se submetia ou fazia as quatro vontades às elites corporatistas, o facto é que a nossa organização social, a nossa cultura faz com que quando a elite central domina totalemente o país, não é refém de nenhuma elite corporatista acaba irreviavelemente para governar bem o país. À primeira vista isto poderia nos levar a termos um visão pessimista de nós próprios, basicamente parece que o país só anda bem quando estamos numa ditadura total, no entanto não penso que é necessário sermos tão deterministas. É verdade que os períodos mais gloriosos do nosso país foram em regra geral quando a elite central detinha um domínio total, e alguns episódios foram particularemente sangrantes e violentos, mas a violência foi em regra geral direccionada contra as elites corporatistas, pouco contra a maioria da população. Estes periódos foram de uma certa maneira a constituição do Estado de Direito, em que certas camadas da população pararam de ter privilégios que outros não tinham. Curiosamente as libertações da sociedade portuguesa passaram pelo renforço do Estado central que impôs uma ordem em que todos eram tratados da mesma forma (obviamente houve abusos, e esses abusos lembram-nos que é sempre necessário haver regras que encadrem a acção estatal). Para terminar, isto não significa que a saída da crise passe pelo renforço do centralismo lisboeta, ou pela passação de todos os poderes ao Primeiro-Ministro, o facto é que o renforço do poder central tornou-se também possível graças ao apoio de elites corporatistas que inicialemente tinha um poder insuficiente, e por isso apoiaram o renforço da elite central, mas que uma vez volvido o processo de concentração do poder depressa se tornaram “parasitas”. Assim de que nós precisamos não é só de mais centralismo, mas precisamos na mesma de um Executivo forte e livre de interesses particulares, além disso precisamos de órgãos de controle eficázes, independentes uns dos outros, e de um sistema legislativa simples e estável. Ao fundo os próximos Primeiros-Ministros deverão ser os mais poderosos de todos, mas o Estado terá de ser também o mais pequeno e simples de todos, e a população terá de ter um direito de prescrição e intervenção sobre as decisões (nem que seja por via indirecta via instituições simples e com poderes ilimitados sobre assuntos limitados).
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Isto é, na minha opinião, se queremos ter um país próspero e uma ordem política que satisfaça o maior número (sem cairmos em abusos de poder).
Excelente análise André! Muito bem.
EliminarNós precisamos de um estadista.
Eu acredito que se o Medina Carreira fosse o nosso presidente da república a dinâmica do país e da governação seria outra. E todos os portugueses acreditariam de novo em Portugal.
O que falhou aqui? Medina Carreira teve disposição para candidatar-se a PR (palavras suas), os portugueses creio que teriam tido uma oportunidade única para eleger alguém realmente sério e sem interesses partidários e conhecedor profundo da realidade económica. Falharam sim foi as nossas elites e falhou também os media.
E no final da história foi Portugal quem mais falhou.
Vivendi, se Melo Antunes tivesse sido Primeiro-Ministro durante o PREC, se Francisco Sá Carneiro não tivesse morrido, se Miguel Cadilhe tivesse continuado Ministro das Finanças durante o cavaquismo todo, se Guterres tivesse lido o relatário Porter, se o Socrátes não tivesse ganho o primeiro mandato com maioria absoluta. Basta um destes pontos se ter realizado e acho que muita coisa podia ter sido evitada.
ResponderEliminarQuanto ao Medina Carreira é de facto alguém que fala a verdade, que estuda tudo ao promenor e que é pelos vistos alguém de honesto. O problema é que ele ainda tem alguns tiques "corporatistas"; foi educado com os Planos de Fomento (o seu novo texto vem álias de o demostrar), acha que a Política pode resolver tudo, e é excessivamente pessimista porque é um português típico (como terá alguma tendência a ser excessivo). É certo, apesar de tudo, que se adequaria à maravilha no cargo de PR, mas ele é um português típico: fala, fala (com razão) mas também não se quer chatear :-)
Apesar de não concordar com tudo o que escreveu, concordo com a maior parte das coisas. Boa capacidade de análise e solidez de argumentos. Parabéns André.
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