quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O fim da história

Por Ricardo Arroja,

O fim da história 

Desde o início da crise grega, já muito se discutiu sobre dívida pública, dívida externa, reestruturações e reescalonamentos. A Grécia, que já deu uma tesourada ao seu endividamento, prepara-se entretanto para repetir a dose, e Portugal vai dando os primeiros passos no sentido de alongar os prazos de reembolso de algumas emissões. 

À hora a que escrevo, é notícia que o Instituto de Gestão do Crédito Público ter-se-á oferecido para trocar títulos que vencem em Setembro do próximo ano por novos títulos que, supostamente, vencerão em Outubro de 2015. Não se trata de uma reestruturação à grega, nem tão-pouco se trata de uma novidade - a Irlanda também o fez há pouco tempo. Na prática, trata-se de prolongar por mais dois anos o reembolso da emissão que teria de ser reembolsada em 2013. De qualquer modo, é sinal dos tempos, e do tipo de operações a que assistiremos nos próximos meses.


Portugal exibe hoje um endividamento público que ronda os 120% do PIB. Esta é a leitura oficial que, no entanto, não inclui o passivo do sector empresarial do Estado, e também não inclui a dívida implícita das parcerias público-privadas. Aquele valor exclui ainda outras "pequenas" dívidas do Estado como, por exemplo, os créditos comerciais concedidos pelos fornecedores das administrações públicas, e que até aqui estiveram fora do perímetro creditício dessas mesmas entidades. Se acaso incluíssemos todos estes valores, oficialmente, acrescentaríamos mais 90.000 milhões de euros ao endividamento público, elevando-o para 170% do PIB (cerca de 300 000 milhões). Enfim, são números estarrecedores, e que oneram os cidadãos portugueses, entre dívidas explícitas e implícitas, em quase 30 000 euros por cabeça, ou 55 000 euros por trabalhador em idade activa - para além das dívidas privadas de cada cidadão. É chocante.


A solução para tamanho desmando é aquele que a história, repetidamente, destinou a este tipo de episódios: o incumprimento. Não vale termos ilusões. Seja através das tesouradas gregas ou através dos reescalonamentos irlandeses e portugueses, é incumprimento que teremos. Na dívida pública, na dívida privada, na interna e na externa, com inflação ou sem ela, não há grande volta a dar nem será grande novidade. O maior problema desta crise é que nunca na história moderna tivemos tanto endividamento quanto aquele que hoje existe. O risco de uma implosão do edifício é, pois, proporcionalmente maior. E essa implosão, no limite, concretizar-se-ia de uma de duas formas: a) com deflação, ou; b) com hiperinflação. A história mostra-nos que a hipótese b) é a mais provável.


Não pretendendo ser catastrofista, mas quanto mais navegamos nos detalhes, quanto mais desenrolamos o novelo, mais pessimistas ficamos. A desmaterialização do sistema financeiro, com todas as suas virtualidades, criou um monstro creditício, uma espécie de Airbus A380, com 500 pessoas a bordo, cujos motores não podem deixar de funcionar. Para já, os motores continuam a funcionar. O problema, como sempre tende a acontecer em situações de erro catastrófico, é que os comandantes podem projectar uma falsa sensação de segurança, e frequentemente nem se apercebem da perda de controlo se não mesmo segundos antes do acidente. É isso que, temo, pode estar prestes a acontecer. Os sucessivos programas de criação monetária conduzidos, um pouco por todo o mundo, por quase todos os grandes bancos centrais - o FED, o BCE, o BOE, o BOJ e o SNB - não auguram nada de bom. Bastará uma faísca, ou um pouco mais de impulso, para que o gigante dos ares entre em perda aerodinâmica. Oxalá não aconteça nada disto, mas com a agitação em Espanha, e com todas as múltiplas picardias por esse mundo fora - o Japão contra a China, Israel contra o Irão, e a Síria contra a Síria -, as coisas começam a parecer perigosas. Além disso, à razão e à emoção junta-se ainda a premonição, e assim não esqueçamos que o mundo acaba a 21 de Dezembro de 2012 - na profecia maia. Enfim, que diabo, venha daí uma vaia!


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