Artigo publicado no Instituto Mises Brasil
Philipp Bagus, é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid. É o autor do livro A Tragédia do Euro. O seu website.
Philipp Bagus, é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid. É o autor do livro A Tragédia do Euro. O seu website.
O artigo a seguir é o capítulo final do livro A Tragédia do Euro.
O arranjo institucional da
União Monetária Europeia tem se revelado um desastre económico. O euro é
um projeto político; interesses políticos impulsionaram a moeda europeia rumo
ao seu caminho mortificante e, como consequência, estes interesses estão
travando uma desenfreada batalha entre si. E os argumentos econômicos
lançados para disfarçar a verdadeira agenda por detrás do euro não lograram
êxito em convencer a população geral de suas vantagens.
O euro foi bem sucedido tanto
em servir como um veículo para centralizar a Europa quanto para alcançar o
objetivo do governo francês de estabelecer um Império Europeu sob seu controle
— restringindo a influência da Alemanha. A política monetária foi o meio
político para a criação da união política. Os defensores de um projeto
socialista para a Europa viram no euro o seu trunfo contra a defesa do modelo
liberal clássico para a Europa que vinha expandindo seu poder e influência
desde a queda do Muro de Berlim. A moeda única foi vista como uma etapa
rumo à centralização e à integralização política. A lógica das
intervenções impulsionou o sistema europeu rumo à unificação política sob um
estado centralizado sediado em Bruxelas. Uma vez que os estados nacionais são
abolidos, o mercado europeu se torna uma nova União Soviética.
Poderia um estado centralizado
salvar as elites políticas de toda a Europa? Ao se fundirem monetariamente
com governos financeiramente mais fortes, elas conseguiram manter seu poder e a
confiança dos mercados. Como os governos financeiramente mais fortes se
opuseram a mudanças abruptas, as recessões foram inevitáveis. Mas a
alternativa era muito pior.
Países mediterrâneos, e em
particular o governo francês, possuíam outro interesse com a introdução do
euro. O Bundesbank, por tradição, sempre havia seguido uma política
monetária mais rígida e austera do que a dos outros bancos centrais e, por
isso, era sempre visto por estes outros bancos centrais como um constrangedor
padrão de comparação. Além do mais, era o Bundesbank quem indiretamente
determinava a política monetária da Europa. Se um banco central não
seguisse as políticas restritivas do Bundesbank, sua moeda teria de ser
desvalorizada para se realinhar ao marco alemão. Alguns políticos
franceses consideravam a influência do Bundesbank como sendo um injustificável
e inaceitável poder em mãos da militarmente derrotada Alemanha.
Políticos franceses queriam
criar um banco central comum para controlar a influência alemã. Eles
idealizaram um banco central que iria cooperar com seus objetivos
políticos. A compra de títulos do governo grego por bancos francês sob a
supervisão de um BCE comandado por Trichet foi o resultado — e um sinal da
vitória desta estratégia.
O governo alemão cedeu por
várias razões. A moeda única era vista por muitos como sendo o preço da
reunificação alemã. A classe dominante alemã se beneficiou com a
estabilização do sistema financeiro e soberano. A harmonização dos
padrões trabalhistas, ambientalistas, tecnológicos e sociais que veio junto com
a integração europeia foi benéfica para as tecnologicamente avançadas empresas
da Alemanha e seus trabalhadores socialmente bem assistidos e protegidos.
Os exportadores alemães se beneficiaram com uma moeda que era mais fraca do que
o marco alemão jamais seria.
Porém, os consumidores alemães
saíram perdendo. Antes da introdução do euro, um marco alemão menos
inflacionista, aumentos na produtividade e o grande volume de exportações
haviam feito com que o marco alemão se apreciasse contra outras moedas após a
Segunda Guerra Mundial. Importações e férias no estrangeiro se tornaram
mais baratas, o que aumentou o padrão da vida da maioria dos alemães.
Frequentemente argumenta-se que
uma moeda única não tem como funcionar entre países com instituições e culturas
distintas. É verdade que as estruturas fiscais e industriais dos países
da UME são bastante diferentes entre si. Cada país vivenciou distintas
taxas de inflação de preço no passado. Produtividade, competitividade, padrões
de vida e flexibilidade de mercado diferem enormemente umas das outras.
Porém, não há por que tais diferenças devam impedir o funcionamento de uma
moeda única. Com efeito, há estruturas muito distintas até mesmo dentro
da cada país. Na Alemanha, por exemplo, a Bavária rural é muito diferente
da costeira Bremen. Dentro de cada cidade, de cada família, os indivíduos
são bastante heterogêneos no uso que fazem da mesma moeda.
Ademais, sob um padrão-ouro,
todos os países do mundo usufruíam uma moeda única. Bens eram
comercializados internacionalmente entre países ricos e pobres. O
padrão-ouro não se desintegrou porque os países participantes possuíam
diferentes estruturas; ele foi destruído por governos que queriam se livrar das
amarras impostas pelas correntes de ouro e, assim, poderem aumentar livremente
seus próprios gastos.
O euro não foi um fracasso
porque os países participantes possuem estruturas distintas, mas sim porque ele
permite uma redistribuição de renda em favor dos países cujos governos e
sistemas bancários inflacionam a oferta monetária mais rapidamente do que os
outros. Ao incorrerem em déficits orçamentários e emitirem títulos da
dívida, os governos podem indiretamente criar dinheiro. Títulos da dívida
de seus governos são comprados pelo sistema bancário. O BCE aceita estes
títulos como colateral para conceder novos empréstimos aos bancos. Os
governos, portanto, convertem títulos em dinheiro novo. Como
consequência, países que possuem déficits orçamentários mais altos podem aumentar
sua oferta monetária e com isso incorrer em déficits comerciais, comprando bens
de nações exportadoras que mantêm orçamentos mais equilibrados.
O processo é muito semelhante a
uma tragédia dos comuns. Um país se beneficiará do processo de
redistribuição de renda caso inflacione mais rapidamente do que outros países —
no caso, se ele incorrer em mais déficits orçamentários do que os outros
países. Os incentivos criam uma corrida à impressora de dinheiro.
O
Pacto de Estabilidade e Crescimento tem se mostrado impotente para eliminar por
completo esta corrida; o sistema do euro tende à auto-implosão.
Déficits orçamentários causam
uma contínua perda de competitividade destes países deficitários. Países
como a Grécia podem bancar um estado assistencialista e manter funcionários
públicos e desempregados em um padrão de vida mais alto do que teria sido
possível sem estes déficits. Os países deficitários, por estarem
constantemente expandindo sua oferta monetária, podem importar mais bens do que
exportam, pagando esta diferença parcialmente com a emissão de novos títulos
governamentais.
Antes da introdução do euro,
estes países desvalorizavam suas moedas de tempos em tempos para readquirir
competitividade. Agora, eles não mais têm de desvalorizar, pois os gastos
governamentais resolvem sozinhos os problemas resultantes. O consumismo
desenfreado possibilitado pela redução das taxas de juros e pelo aumento dos
salários nominais incitados por sindicatos aumenta a desvantagem competitiva.
O sistema começou a apresentar
sérios problemas quando a crise financeira acelerou os déficits
orçamentários. A resultante crise da dívida soberana na Europa trouxe
consigo uma maior centralização do poder. A Comissão Europeia assumiu um
maior controle discricionário sobre os gastos dos governos e o BCE assumiu
maiores poderes, como a compra direta de títulos dos governos.
A zona do euro já chegou àquela
etapa que pode ser classificado como união de transferência de renda III.
A união de transferência de renda I é a redistribuição de renda direta feita
por meio de pagamentos monetários gerenciados por Bruxelas. A união de
transferência de renda II é a redistribuição monetária canalizada por meio das
operações do BCE. E a união de transferência de renda III implementa
compras diretas de títulos governamentais de governos excessivamente
endividados, bem como garantias de socorro a estes governos.
O que o futuro reserva para um
sistema cujos incentivos o destinam à autodestruição?
1. O sistema entra em
colapso. Um país
pode decidir se retirar da UME por ser vantajoso para ele desvalorizar sua
moeda e dar o calote em suas dívidas. O governo deste país pode
simplesmente não estar disposto a reduzir seus gastos para permanecer na
UME. Outros países podem impor sanções a um país deficitário ou parar de
apoiá-lo.
Alternativamente, um governo
mais sólido, como o da Alemanha, também pode decidir sair da UME e retornar ao
marco alemão. Os superávits comerciais da Alemanha bem como uma política
monetária menos inflacionista provavelmente levariam a uma apreciação do novo
marco alemão. A apreciação permitiria importações, férias e investimentos
estrangeiros mais baratos, aumentando o padrão de vida de sua população.
O euro poderia perder credibilidade e se esfacelar. Embora esta opção
seja possível, a vontade política — por ora — ainda é a de permanecer no
projeto do euro.
2. O Pacto de
Estabilidade e Crescimento é finamente aplicado.*
Medidas de austeridade e reformas estruturais em países deficitários levam a um
crescimento econômico sustentável e eliminam os déficits. Um haircut único sobre os títulos da dívida dos
países extremamente endividados podem reduzir o atual fardo da dívida sobre
eles. Penalidades severas e automáticas são instituídas caso o limite de
3% do PIB para o déficit orçamentário seja infringido. As penalidades
podem ser a suspensão dos direitos de votação no Conselho Europeu, a suspensão
dos subsídios ou simplesmente multas diretas. Porém, há enormes
incentivos para que políticos excedam continuamente o limite de 3%, o que torna
este cenário altamente improvável. Os membros da UME ainda são nações
soberanas, e a classe política pode não querer impor limites severos que venham
apenas a diminuir seu poder.
3. Incentivos para se
ter déficits mais altos do que os de outros países levarão à intensificação da
união de transferência de renda. Nações mais ricas pagam
para cobrir os déficits das mais pobres, e o BCE monetiza as dívidas
governamentais. Este fenômeno pode gerar protestos dos países mais ricos,
fazendo com que eles, em última instância, decidam abandonar a união, como
mencionado acima. Outro possível fim da união de transferência de renda é
a hiperinflação gerada por uma corrida à impressora de dinheiro.
Na atual crise europeia, os
governos parecem estar tendendo mais para as opções dois e três. Qual
cenário final prevalecerá fica a cargo da imaginação de cada um.
* O Pacto de Estabilidade foi entretanto revisto.
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Porque a União Monetária Europeia é um sistema gerador de conflitos » post
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