Ricardo Arroja, artigo publicado em Vida Económica
Recentemente, nos Estados Unidos, Mitt Romney, provável candidato pelo Partido Republicano às presidenciais norte-americanas que terão lugar em Novembro, deu o tiro de partida: se for eleito Presidente, a primeira coisa que fará no primeiro dia de trabalho será declarar a China como um país manipulador da sua divisa. Mas, mais a sul da América, no Brasil, o Governo antecipou-se ao pensamento de Romney, tendo passado imediatamente da retórica aos actos: no mês passado, Dilma introduziu um imposto de 55% sobre a venda de automóveis fabricados no estrangeiro e outro de 35% sobre automóveis de marca estrangeira fabricados e vendidos no Brasil. Por cá, na Europa, continuamos a cortejar o investimento estrangeiro, nomeadamente o chinês, mas poderá ser por pouco tempo. É que as expectativas económicas, esta semana divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional, apontando para uma recessão generalizada na zona euro, traduzir-se-ão no aumento do desemprego e este traduzir-se-á na contestação popular contra o "statu quo". Em suma, o mundo, em especial o mundo ocidental, está a dois passos de regressar ao proteccionismo do passado.
Há já muito tempo, há uns bons anos, escrevi nestas linhas que a China, sendo o maior beneficiário da globalização, representava também a sua maior ameaça. É essa realidade que começa agora a vislumbrar--se. O desemprego poderá ser o rastilho. Nos Estados Unidos, onde, apesar do crescimento económico, o desemprego permanece acima do que seria desejável, mas também na Europa, onde, apesar de a Alemanha ser uma beneficiária da Globalização, as economias periféricas começam a estar sufocadas pela deterioração económica. E a realidade dos números é apenas uma: para além dos níveis historicamente elevados de gente sem trabalho, em todos os exemplos citados - excepção feita à Alemanha - assiste-se hoje a uma desindustrialização, que se reflecte depois na balança de pagamentos. Estados Unidos, Brasil, qualquer um dos periféricos - excepção feita à Irlanda - e até a própria França exibem hoje défices na balança de transacções correntes, que, por sua vez, resultam quase todos de défices comerciais (no caso do Brasil, não). Enfim, a fábrica do mundo, a produção, há muito que passou a estar na China.
A teoria económica, em particular a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, estipula que o comércio livre e aberto é vantajoso para todos os participantes, porque existirá sempre algum sector no qual cada país se poderá especializar, exportando, a fim de gerar excedentes que sirvam para financiar as importações de produtos e serviços de outros sectores onde a sua produtividade seja menor. Ora, como aqui analisei na semana passada, os índices de produtividade são hoje muito díspares. No seio da própria zona euro, onde Portugal regista apenas metade da produtividade por hora observada na Alemanha. E mais ainda, entre a zona euro e a China, por exemplo. Este fenómeno ocorre hoje um pouco por todo o mundo, com uma notável excepção: os países ricos em recursos naturais - o caso do Brasil - mantêm, obviamente, as suas vantagens comparativas no domínio desses sectores muito específicos. Porém, com os emergentes asiáticos em expansão, mantendo altos níveis de produtividade e esperando-se até que o PIB chinês ultrapasse o PIB norte-americano dentro de meia dúzia de anos, é caso para questionar: sobrará alguma vantagem comparativa a favor do Ocidente?
Ora, não existe uma resposta perfeita para a questão anterior. Por um lado, é evidente que há sempre nichos de excelência em qualquer país. Mas, por outro lado, é indiscutível, que no Ocidente, as dívidas colossais, o desemprego e, por que não referi-lo, também os dilemas institucionais não permitem, neste momento, ver o futuro com bons olhos. Assim, estas acções ofensivas de Dilma, porventura de Romney e outros que, entretanto, surgirão, mais do que acções ofensivas, serão na realidade medidas defensivas, a fim de travar os efeitos não pretendidos da globalização e, sobretudo, as consequências de uma hegemonia chinesa que todos sentem, mas poucos parecem aceitar.
Este tema também já foi abordado aqui no post: Protecionismo - O caso Brasil
O protecionismo é realmente um assunto bastante delicado e merece ser debatido, porque o mundo ocidental entrou em uma dinâmica estranha em que falta crescimento e sobra dívida, e se olharmos para o caso português em que já estamos a passar partes dos nossos setores estratégicos para empresas estatais chinesas...
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